Porque toda a gente devia ver Queer Eye

Eu adoro shows cujo conteúdo é um pouco, digamos, vazio. Eu sei, eu sei! Vocês estavam à espera que vos dissesse que me chafurdava em National Geographic como se não houvesse amanhã, tal é o nível do meu intelecto. Lamento desapontar-vos acerca disso. Eu gosto muito de ver reality tv e outros que tais. Há que dar descanso ao cérebro de vez em quando, am I right?

Numa destas noites estava à procura de algo para me distrair e decidi experimentar ver Queer Eye. Tinha uma vaga noção e decidi dar uma espreitadela. 

Bom.

E por espreitadela quero dizer fiquei-viciada-logo-no-primeiro-episódio. Que é como quem diz, papei as cinco temporadas mais a edição especial filmada no Japão que foi uma maravilha. Mas assim de uma assentada de meter inveja a muitos outros compromissos meus. Do nada, eu vivia para aquilo e era difícil pensar noutra coisa tal era a awesomeness do show.


Queer Eye traz-nos uma equipa de cinco gays (eles intitulam-se como Fab 5) de várias áreas diferentes: Antoni Porowski é responsável pela secção da comida, Johnathan Van Ness é responsável pelos cuidados pessoais com especial foco no cabelo, Karamo Brown trata da parte da cultura (um conceito geral com o qual ele não concordou uma vez que ele trabalha muito mais a parte psicológica e emocional dos participantes - ele é psicoterapeuta e assistente social), Bobby Berk trata do design das casas e Tan France da parte da roupa. Os nossos Fab 5 passam uma semana com um homem heterossexual e tomam-lhe conta da casa e da vida. Resultado: ao final de uma semana os nossos heróis (como eles lhes chamam) têm a vida transformada, qual volta de 180º qual quê, I'm not crying, you're crying.

O que é engraçado em QE é que, de repente, dás por ti a perceber que isto é muito mais um show de entretenimento. Na realidade, o show conta não só com várias nomeações como também já tem um Emmy na sua lista de prémios. É totalmente impossível ficar indiferente à mensagem que o mesmo passa. QE é muito mais que uma introdução ao mundo da homossexualidade uma vez que esse nem sequer é o foco. Invariavelmente acabamos lá pois os Fab 5 partilham várias histórias acerca do seu percurso até à atual vivência da sua orientação sexual em pleno. Vemo-los a falar sobre as suas dificuldades e histórias pessoais. Estas pessoas que hoje em dia são conhecidas, ricas, fabulosas, e que nos transmitem uma energia incrível não deixam de ser pessoas reais com histórias também elas bem reais e duras: temos um protagonista com historial de depressão, outro foi sem-abrigo e saiu de casa aos 15 anos, outro não tem uma relação com a mãe, etc etc. Mais que serem homossexuais e estarem ali pelo facto de o serem, há também uma mensagem pessoal muito positiva de empoderamento à qual qualquer ser humano não fica alheio. Mas não só destas histórias se faz QE já que temos um grande acesso às dos participantes e apanha-se de tudo. Desde o homem que vive a sua homossexualidade em segredo, ao que foi baleado e se encontra numa cadeira de rodas, à história de duas tias (eles tiveram algumas participantes femininas) que tinham um negócio de roulote, ao homem que pretende pedir a namorada em casamento, enfim, uma panóplia que promete não vos cansar.

Queer Eye tem uma enorme capacidade de derrubar barreiras, mesmo àqueles que, como eu, acham que os preconceitos deles não faz parte. Mesmo em termos de participantes, o feedback dos mesmos passa muitas vezes por algo deste género: "nunca pensei passar uma semana com cinco homossexuais... mas gostei muito". QE não anda pelas cidades mais gay friendly e também não me parece escolher (alguns) participantes que facilitem essa abertura mas acaba por ganhar por aí. Primeiro porque demonstra o quão algumas cidades da América são absolutamente homofóbicas e segundo, porque demonstra como ser gay não é aquele bicho de sete cabeças que algumas pessoas pensam que é (toda a gente sabe que a homossexualidade é contagiosa, duh) e se até a malta do Texas conseguiu gramar com eles, alguma coisa de positivo se passa. 




Sem dúvida que há alguns episódios mais marcantes que outros mas o que mais me marcou foi a transformação de um homem trans. Foi um episódio muito emotivo e muito pedagógico. Como vos disse, às vezes achamos que somos muito open minded e receptivos a tudo mas damos por nós sem saber algumas coisas - só porque não contactamos diariamente com realidades diferentes da nossa - e eis que a vida nos dá uma chapada de luva branca. Foram cinquenta minutos que recomendo a toda a gente. Se houvesse um único episódio que definisse o que é passar por um processo com os Fab 5, eu diria que não haveria melhor para descrevê-lo. De destacar também a forma como Johnathan se veste uma vez que o vão ver se saia e de saltos altos. E se vos parecer estranho ao início, garanto-vos que rapidamente se habituam (essa é a maravilha do programa).

Transversalmente a todos os episódios, eu diria que o factor número um que é trabalhado é a auto-estima. Conhecemos muitas pessoas que se desleixaram, que não gostam de si, que se olham ao espelho e só vêem defeitos. É incrível como lhes é possível recuperar a confiança com algo tão simples (e alguns diriam fútil) como um guarda-roupa ou corte de cabelo novos. A questão é que por muito que a confiança tenha que vir de dentro (e essa parte fica a cargo de Karamo), uma atitude nova constitui-se a partir de factores externos e internos. Resultado? A auto-estima, a segurança e a confiança das pessoas sobe em flecha e é incrível ver o antes e depois.

De apontar que QE tem um efeito muito positivo também na exploração de uma masculinidade positiva versus a masculinidade tóxica que está tão enraizada na nossa sociedade. Os Fab 5 são o grupo que mais abraços e beijinhos e palavras de encorajamento troca entre eles e eu só tenho a dizer que se este afecto estivesse presente nos grupos heterossexuais masculinos, o mundo era um lugar muito mais bem resolvido e sem metade dos preconceitos que vivemos.

Assim sendo, façam um favor a vocês próprios e dêem uma oportunidade ao programa. Garanto que não se vão arrepender.

P.S. - Não se esqueçam dos lenços.

P.S. 2 - Os homens também choram.

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