Entrevista | Victoria Guerra

Foto gentilmente cedida por Ricardo Du Toit


Victoria Guerra tem o privilégio de ser uma das melhores atrizes portuguesas da sua geração. Mas para além de ser uma excelente profissional, é também simpática e querida que dói. Não nos esqueçamos do factor linda, o qual não vale a pena mencionar (por ser muito óbvio), não descurando o quão acessível é falar consigo. Por caso do seu novo projeto já em cinema, a obra Aparição de Fernando Vendrell, tive a oportunidade de falar um pouco com ela. 

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Estamos numa época em que ser mulher é muito bom, porque estamos numa fase de empowerment enorme, mas também pode ser muito mau. Pegando nos escândalos de Hollywood, e tendo em conta que há alguns casos em Portugal, como é que te sentes sendo uma atriz na indústria cinematográfica?

Eu acho que isto é um assunto muito difícil de abordar porque eu não faço a mínima ideia do que é trabalhar em Hollywood com estes monstros. Nunca me aconteceu nada do género por isso não posso dizer. Mas sendo um trabalho bastante emocional, eu percebo que as coisas às vezes descambem. Também acho que o que esta a acontecer é bom por um lado não podemos generalizar. Isso é muito importante. Agora acalmou um bocadinho mas não podemos generalizar. Não se pode tornar num witch hunt.

Sim, também sinto que foi isso que aconteceu.

Houve algumas situações boas mas também houve situações um bocado mal explicadas e as pessoas aproveitaram-se dessa onda. Nesse sentido acho que temos que parar para pensar e encontrar culpados para além das únicas pessoas envolvidas; por exemplo, as agências têm que proteger mais os atores, as produções... Descobriram-se coisas que não aconteceram ontem, foram acontecendo ao longo de vários anos e houve pessoas que compactuaram com isso e que têm que ser responsabilizadas. Eu acho que temos que nos unir, não só as mulheres mas também as equipas e os agentes e os profissionais do cinema e teatro. Temos que cuidar uns dos outros. E os homens também têm que cuidar das mulheres. Isso acontece em muitas áreas e é bom que tenha acontecido mas temos que ter calma. Só não quero que a sexualidade se torne um tabu. Também não quero que o feminismo se torne num machismo.

Há muitas pessoas que se perdem no significado da palavra.

As coisas têm que ser faladas e discutidas. Não podem ser só hashtags e frases e pronto toda a gente tem que pensar da mesma maneira. As coisas têm que ser faladas e discutidas. E houve uma altura, quando isto rebentou, que eu senti que as pessoas não discutiam sobre o assunto, não iam ao fundo da questão. Era um hashtag e pronto, ou tu segues este pensamento ou correm contigo. Acho que nos devemos sentar e pensar e em conjunto encontrar as soluções. Tudo o que seja radical não vale a pena. Acho que isso é que pode ser problemático daqui a muitos anos, podemos perceber que esta radicalização pode ter levado a outro tipos de problemas.


A Sofia é uma personagem complexa, ao mesmo tempo é super sensual, com muita energia, mas também é misteriosa, portanto dá uns avanços, depois recua... De todas estas especificidades que acabam por ser opostas entre si, o que é que te atraiu na personagem?

Primeiro atraiu-me poder levar ao cinema uma obra literária tão rica e dentro de todas as personagens femininas, é sem dúvida a mais complexa. E o que me atraiu foi este lado destrutivo dela, este lado tresloucado dela a tentar viver a vida ao máximo e encontrar isso na auto destruição foi o mais divertido.

Leste o livro?

Sim, claro (risos). Eu li o livro em miúda mas não foi por causa da escola. Depois li outra vez por causa do filme, obviamente, e isso é espetacular. Termos uma obra literária como base é ótimo para o trabalho de um ator. Existe um guião, a adaptação do próprio Fernando, e tenho que trabalhar sobre ela, mas ter a base, esta obra literária riquíssima, ajudou-me imenso.

O que acaba por acontecer nos livros é que as personagens são muito mais trabalhadas...

Muito mais! E efectivamente no livro, como a base é filosofia existencialista, esse lado existencialista é muito discutido. Quem é esta Sofia? Esta Sofia transforma-se em mil e uma Sofias diferentes: a Sofia ao olhar do Alberto, a Sofia ao olhar dos pais, a Sofia enquanto o que é que ela acha que é, a Sofia ao olhar do Carolino. Ou seja, isso também me ajudou a criar estas layers. Porque nós não somos só uma pessoa, somos mil e uma pessoas. Somos boas, somos más... E esta personagem, então, é tudo e mais alguma coisa. Isso no livro ajudou-me.

Há personagens que marcam os seus intérpretes e tendo em conta o tema deste filme e podendo interpretar a própria palavra aparição como a revelação para si próprio, o que é que a  Representação te mostrou acerca de ti mesma?

É engraçado porque todas as personagens que vou interpretando mudam-me um bocadinho, óbvio; é como se durante aquele período de tempo fosse duas pessoas. Para eu criar uma personagem tenho que acreditar nela, mesmo que seja a pior pessoa e que tenha atitudes horríveis, elas para mim têm que fazer sentido e por isso vou descobrindo coisas em mim também. Não foi só neste filme! Em todos os trabalhos que faço, entro neles uma Victoria e saio outra completamente diferente. No caso deste, estava a fazer uma novela ao mesmo tempo.

Então eras três Victorias ao mesmo tempo...

Sim e isso foi complicado. Devo confessar que isso foi muito complicado. Eu normalmente faço os filmes e mesmo que trabalhe (em novelas), tenho poucas sessões e estou ali focada. É quase como se estivesse num universo cósmico onde mais nada existe a não ser aquela personagem, aquele texto e aquelas pessoas. Neste caso isso foi a primeira vez onde isso não aconteceu porque estava a rodar uma telenovela ao mesmo tempo.

Acaba, então, por ser um trabalho bastante desgastante?

Foi desgastante mas acaba por ser bom, muito muito fixe nesse sentido (pausa). Agora este lado destrutivo dela (Sofia) foi interessante porque eu acho que o ser humano é destrutivo por natureza, tanto nas suas relações amorosas, no trabalho... Mas é inconsciente. Mas esta mulher não. Era consciente daquilo que estava fazer e isso foi interessante. Foi um bom desafio.


Eu no momento fangirl do dia

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