Review | Requiem For a Dream (2000)


Darren Aronofsky é aquele realizador absolutamente incongruente no seu trabalho: tanto podemos obter uma coisa boa como uma coisa má. Mas este Requiem For a Dream é capaz de ser um dos melhores filmes da sua carreira.

Tudo começou quando o realizador pôs as mãos à obra e lançou Pi. Foi um sucesso de vendas tão grande que lhe deram o aval para fazer o segundo filme acerca do que quisesse. Darren tinha primeiro contactado com a obra de Hubert Selby Jr. no livro Last Exit to Brooklyn, sítio de onde Aronofsky é proveniente. Daí para querer adaptar uma obra do autor foi um pulinho mas, infelizmente, viu algumas portas serem-lhe fechadas. Porque quando alguém lhe diz que pode fazer uma obra acerca de um tópico à sua escolha há sempre o lado rentável da coisa. E, bom, o foco em drogas pode não ser bem o que um estúdio procura.


O filme já conta com 18 aninhos e custa-me saber que há por aí alminhas que nunca deram conta dele, razão pela qual achei que devia fazer um pouco de serviço público. Isso e, claro, o facto de se tratar de um dos meus favoritos acrescentando-lhe ainda o ato de estar atualmente a ler o livro que originou tudo isto (e, já agora, o autor deu uma perninha ao guião escrevendo-o em conjunto com o realizador).

Requiem For a Dream traz-nos quatro personagens: Sara Goldfarb (Ellen Burstyn), uma mulher que se considera velha e solitária e que é obcecada pela sua televisão - a única coisa que lhe faz companhia; Harry Goldfarb (Jared Leto) e Tyrone C. Love (Marlon Wayans), dois amigos que estão envolvidos tanto no consumo como no tráfico de droga; e Marion Silver (Jennifer Connelly), namorada de Harry e também ela consumidora assídua de drogas. Estas quatros pessoas levam-nos por dois caminhos diferentes: 
  1. Sara está obcecada com a sua ida à televisão após um telefonema que lhe fizeram a dizer que ela tinha sido a escolhida para participar num dos concursos que ela própria vê de forma descontrolada. Mas ela vê-se ao espelho e não gosta do que vê: quer emagrecer e começa a tomar uns comprimidos prescritos por um médico que fazem com que ela perca toda a vontade de comer;
  2. Os três jovens vêem-se unidos no consumo, na necessidade de terem dinheiro para comprar a droga mas também numa espécie de negócio que desenvolvem para enriquecerem.
Escusado será dizer que em ambas as situações tudo cai para o torto. Porque três dos quatro comprimidos que Sara tomam são speeds e o último é a razão pela qual consegue dormir à noite. Uma espécie de anti-speed que provoca a reação oposta (duh). Já os jovens chegam muito rapidamente ao pico para a sua descida ser absolutamente vertiginosa (e mais não adianto).

Diz-se por aí que este é um daqueles filmes que não se deve ver duas vezes. Eu concordo apesar já ter visto umas quatro ou cinco vezes. É uma obra brutalíssima, muita crua e muito impactante. É voraz e consome-nos de uma forma que nunca estaríamos à espera. Quando damos por nós estamos ou colados à cadeira ou debruçados sobre a sanita mais próxima. Pessoalmente, acho que seria um material muito interessante de ser explorado numa qualquer intervenção anti-drogas. Não contem com falinhas mansas. É forte, honesto e destruidor. Mas este tipo de reações não são despoletadas ao acaso. Darren joga com o espectador e a forma como usa a câmera faz-nos sentir parte da cena em si pois ele é muito inteligente no seu manuseio por forma a nos integrar da melhor maneira possível. Tanto vemos as personagens de um ângulo mais abaixo que o normal em situações de stress e perigo, como entramos nas suas trips de um ângulo de cima e amplo, passando pelas suas paranóias e agonias através do efeito fisheye. Os ângulos, o time-lapse e, pelo contrário, o slow motion são habilmente explorados para que tenhamos a experiência completa. A cereja no topo do bolo é a banda sonora responsável pela The Kronos Quartet e autora de Lux Aeterna, a música mais esquizofrénica de todo o sempre. Assim que assumimos o compromisso para com o filme, ele também assume connosco. Nós estamos lá para o bem e para o mal. E, senhores, preparem-se para o pior.

Requiem é impiedoso e conta com um elenco extremamente eficaz no seu trabalho. Ellen, a título de exemplo, passou quatro horas na caracterização pois a sua personagem sofre uma drástica perda de peso. Há algumas alterações ao livro mas foram escritas de improviso por Hulbert e Darren. Nada temam, podem confiar no resultado final! Consequentemente, esta é um obra que dará cabo de vocês e cuja mensagem é muito fácil: mantenham-se longe das drogas! Estabelecendo um paralelismo entre a obra literária e cinematográfica, ambas movem-se a um ritmo muito acelerado (a escrita é atípica, cheia de calão e expressões coloquiais, toda ela em prosa e com diálogos à José Saramago) e pautam-se por um ambiente claustrofóbico que trabalha muito a ansiedade e a agonia do leitor/espectador.

Valeu a pena há 18 anos, vale a pena hoje e valerá amanhã. Um mind-fuck pesado que fica e que mexe(rá) sempre connosco.


Nota final: 5/5

Mensagens populares